Apesar do aumento de discursos e iniciativas focadas na diversidade nos últimos anos, o setor de tecnologia ainda permanece com desequilíbrio de gênero. O intuito deste artigo é levantar dados sobre a participação feminina em áreas de tecnologia no atual cenário global e brasileiro, destacando as principais dificuldades enfrentadas e as causas para menor adesão de mulheres nesse meio. A principal conclusão é que a sub-representatividade feminina não é um problema residual, mas uma condição sistêmica e persistente, alimentada por falhas no sistema educacional, culturas de trabalho hostis e vieses nas oportunidades de ascensão profissional feminina.
Historicamente, a participação feminina no meio tecnológico é vista como baixa, mas com um progresso lento. No entanto, atualmente, as mulheres ocupam entre 26% a 30% dos cargos na área de tecnologia, isso evidencia um retrocesso em relação a décadas atrás, quando, em 1984, esse número era de 35% de representatividade.2 As variações são expressivas não apenas entre funções, mas também entre regiões e países: enquanto a média europeia de participação feminina é de 22%, Luxemburgo se destaca com 74,5% e a Alemanha apresenta um dos índices mais baixos, com apenas 17%. 9
Um fator relevante para ser considerado é que a maioria das mulheres que trabalham em empresas de tecnologia possuem cargos não técnicos (Recursos Humanos, Marketing ou Vendas).2 Quando se analisa apenas as funções técnicas, percebe-se um padrão de segregação: há maior presença feminina em áreas como Design de Produto e Gestão (46%), Ciência de Dados (30% a 46%) e UX/UI (38% a 53%), mas a participação cai drasticamente em campos como Desenvolvimento de Software (21% a 23%), Cibersegurança (20% a 26%), Inteligência Artificial (26%) e, sobretudo, Cloud Computing e DevOps (8% a 15%).1
A participação das mulheres está mais concentrada em funções percebidas como mais colaborativas, criativas ou voltadas para o usuário, enquanto estão significativamente ausentes das áreas consideradas mais profundamente técnicas, abstratas ou de infraestrutura. Essa segregação interna de cargos tem implicações profundas para a trajetória de carreira e a equidade salarial, uma vez que os campos com menor representação feminina, como IA e Cloud, são frequentemente os que mais crescem e oferecem os salários mais altos.
No Brasil, o cenário é um pouco distinto. O setor de tecnologia não é abrangente, segundo o Serasa Experian, apenas 0,07% da população feminina adulta brasileira trabalha em TI, enquanto para homens esse percentual é de 0,34%. Apesar de ambos os números serem muito pequenos, o masculino representa cinco vezes mais do que o feminino. Dentro do setor tecnológico, há algumas discrepâncias de valores: o levantamento da Brasscom indica que 39% dos empregos são ocupados por mulheres, enquanto outros levantamentos, como o do CIEE, citam 30%.
Dessa forma, embora as mulheres constituam a minoria, cerca de um terço, do setor tecnológico no Brasil, essa parcela representa uma fração minúscula do potencial feminino do país. Sendo assim, além de aumentar a participação feminina no setor, também é necessário expandir o setor para contar com mais oportunidades de carreira.
Apesar da baixa representatividade feminina, o crescimento do número de mulheres na tecnologia é notável, sendo que no último houve um crescimento de 4,6%, segundo o Serasa Experian. Além disso, de acordo com pesquisas da Brasscom, o crescimento da presença feminina no mercado de TIC superou o da masculina em 1,5% nos últimos três anos. Isso também fica visível tanto para funções de análise (crescimento de 1,8% para mulheres contra 1,2% para homens) quanto em funções técnicas de P&D e Engenharia (2,1% para mulheres contra 1,3% para homens).4
Mesmo com o crescimento expressivo, o setor ainda possui desigualdades estruturais e regionais, relacionadas à remuneração mensal feminina, as falhas educacionais brasileiras e a discrepância das concentrações regionais.
De acordo com o Serasa Experian, cerca de 40,4% das mulheres recebem salários mensais entre R$ 2,5 mil e R$ 5,0 mil, enquanto somente 18,2% das profissionais de TI recebem remuneração acima de R$ 7,5 mil. Já a situação socioeconômica, mostra que a maioria das profissionais pertencem a classes mais altas.13
As oportunidades não são distribuídas de forma equitativa pelo território nacional. O setor é concentrado na região Sudeste, o estado de São Paulo sozinho responde por 31,5% de todas as mulheres em TI no Brasil, seguido pelo Rio de Janeiro (11,2%) e Minas Gerais (8,4%). Em contraste, a região Norte apresenta a menor participação feminina do país.13
No Brasil, a educação reflete a escassez feminina em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Em 2023, apenas 26% das matrículas em cursos superiores de STEM foram de mulheres, conforme o Inep. Apesar do aumento em relação à década anterior, indicando maior interesse, ainda há um longo caminho até a paridade. Embora a participação feminina na tecnologia tenha melhorado, um estudo de 2019 indica uma queda na conclusão de cursos de ciências por mulheres após a COVID-19, sugerindo que a pandemia afetou desproporcionalmente a educação de futuras profissionais de tecnologia.15
Em cargos de liderança o percentual de participação feminina é ainda menor. De acordo com a última Nash Squared Digital Leadership Report, apenas 14% das lideranças na área de tecnologia são mulheres, um valor muito próximo ao de 2022.
A análise de funções específicas no C-level revela uma disparidade ainda mais severa:
A escassez na liderança é causada pelo fenômeno conhecido como "broken rung", que descreve a falha sistêmica na primeira promoção. De acordo com McKinsey’s, no levantamento Women in the Workplace 2021, em todas as indústrias, para cada 100 homens promovidos a gerente, apenas 86 mulheres recebem a mesma promoção. No entanto, em funções técnicas, essa proporção despenca para apenas 52 mulheres promovidas para cada 100 homens.3
Isso resulta em um número reduzido de mulheres em posições de gerência inicial, o que, por sua vez, diminui drasticamente o número de talentos femininos disponíveis para promoções a cargos de diretoria, vice-presidência e C-suite. A falta de mulheres em cargos de liderança limita a disponibilidade de mentoras e patrocinadoras para guiar e apoiar mulheres mais jovens. Assim, é evidente que esse não é um problema de qualificação ou ambição, mas uma consequência previsível de um sistema de promoção tendencioso desde o início da carreira corporativa.3
Esta seção explora os desafios e as barreiras sistêmicas enfrentadas pelas mulheres no setor de tecnologia. A seguir, são apresentadas as principais estatísticas sobre a participação feminina na área de tecnologia.
Estes desafios não são incidentes isolados, mas sim obstáculos enfrentados diariamente por mulheres na área de tecnologia. As constantes "microbarreiras" existentes, contribuem para a "síndrome do impostor", sentida por 79% das mulheres na tecnologia.18 Essa síndrome gera a sensação de precisar trabalhar mais para provar seu valor, relatada por 78% das mulheres, e pode levar ao esgotamento (burnout), que afeta 57% das mulheres em comparação com 36% dos homens.2
Dentro do cenário da participação feminina na área de tecnologia, a Inteligência Artificial tem o potencial de desempenhar papéis tanto positivos quanto negativos. Por um lado, ela surge como uma aliada para impulsionar a participação feminina na tecnologia. No recrutamento, pode eliminar vieses ao analisar candidatas com base puramente em suas habilidades, na educação pode auxiliar a democratizar o conhecimento técnico por meio de plataformas de aprendizado e dentro das empresas pode identificar disparidades salariais e lacunas de promoção, além de fomentar a inovação ao oferecer ferramentas de criação mais acessíveis.20
No entanto, o maior risco da IA reside no viés algorítmico. Se for treinada com dados históricos que refletem a desigualdade de gênero do passado, ela pode automatizar e até intensificar preconceitos, resultando em sistemas que discriminam sistematicamente as mulheres. Além disso, um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), aponta que os empregos femininos, especialmente em funções administrativas e de serviços, correm um risco maior de automação.21 Isso pode resultar em um impacto desproporcionalmente negativo da evolução da IA sobre as mulheres no mercado de trabalho.
Embora minha jornada na área de tecnologia ainda esteja em seus primeiros anos, já vivenciei experiências que refletem alguns dos desafios e temas abordados neste artigo. Desde o início da graduação em Engenharia da Computação na UNIFEI, ficou evidente a desigualdade de gênero: éramos apenas 7 mulheres em uma turma de 60 estudantes.
Ao longo da graduação, tive a oportunidade de integrar a área de software da equipe de competição Black Bee Drones — primeira equipe latino-americana focada em drones autônomos —, onde também era minoria. Assumi a função de Coordenadora da Área de Software, liderando um time técnico e participando de uma competição internacional. Foi uma experiência incrível e desafiadora: estar em um cargo de liderança técnica em um ambiente predominantemente masculino me fez crescer em habilidades sociais e reforçou minha consciência sobre a importância da representatividade e da criação de espaços mais inclusivos.
Atualmente, trabalho como desenvolvedora na Tech4Humans, com foco em IA Generativa. Quando ingressei, era a única mulher na área de IAG, cenário que novamente refletia a baixa representatividade feminina em equipes técnicas. Felizmente, esse quadro vem mudando e, hoje, já somos três mulheres na equipe — um avanço que reforça a importância de ocuparmos esses espaços e mostrarmos que há lugar para todas nós na tecnologia.
Apesar de minha trajetória ter se desenvolvido em ambientes acolhedores e com equipes dispostas a apoiar, minhas principais dificuldades não vieram de barreiras explícitas, mas de desafios internos: o medo de dar o primeiro passo, a insegurança de iniciar em um ambiente no qual se é minoria, a hesitação em me expressar e a constante dúvida sobre estar pronta ou ser capaz. Com o tempo, aprendi que esses sentimentos são comuns, mas que não devem nos impedir de ocupar espaços, compartilhar ideias e atuar em uma área que amo. Afinal, cada vez que superamos esses medos, abrimos caminho não apenas para nosso próprio crescimento, mas também para que outras mulheres se sintam encorajadas a fazer o mesmo.
Se para você iniciar foi difícil, para as próximas mulheres que seguirão será mais fácil.
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